quinta-feira, 1 de junho de 2017

domingo, 26 de março de 2017

Colóquio

--Ó Amada Solidão
Que rasgais meu coração...
Não tendes dó, piedade!
Assemelhai-me ao meu Amado!!!
Perfurai também meu costado!

--Como pretendes, impostor,
Assemelhar-te ao Salvador?
Onde a misericórdia, o amor
Para jorrar do teu lado?...
De um coração tíbio e pecador
Só pode manar, horror,
a fealdade do pecado.

--Ó Solidão Amada,
que me humilhais com a verdade.
Dai-me a Paixão assim mesmo,
Eu vos peço por favor.
Sem merecimento a mereço,
Pois não é mais
Que o mestre o seu discípulo
Nem o servo que o seu senhor.
Nisso não há falsidade!

Dai-me a agonia, o sangue,
O suor, o sofrimento
As cadeias, a ignomínia,
O opróbrio, o desapreço,
Condena de um celerado,
Humilhação, látego, espinhos,
Duras pedras no caminho
E no madeiro pesado
O peso dos meus pecados
Mais pesados do que o mundo...
--Ah, isso não, que eu sucumbo:
Ajudai-me Cirineu!

--Oh, não sois Simão, sois Jesus
A carregar-me com a cruz!!!

--Vede, ó Solidão Amada,
Quem à semelhança convida.
Não é senão o Caminho,
A Verdade, a própria Vida,
A Palavra que não passa!
Pregai-me já os cravos,
abri-me agora as chagas,
Suspendei-me, levantai-me,
Exponde-me ao desabrigo,
ao vento e ao sol causticantes,
E ponde à minha boca,
Na esponja, fel e vinagre.
Matai logo minha sede
De, nesse mundo agreste,
Assemelhar-me ao meu Mestre.
Nem recuseis a pedida
Que me recusastes antes,
Chagai-me também o meu lado,
Pois embora eu não mereça
Não haja quem disso esqueça:
Superabundou a graça
Onde abundara o pecado.

***

--Em Vossas mãos, ó Senhor,
Quero entregar confiante
Meu espírito que, relutante,
Carente ainda de humildade,
Hesita ante a sorte
E rejeita essa morte:
Morrer eu para mim mesmo.

***

--Ó, Solidão Amada,
Não quero viver a esmo
Sobrevivendo assim.
Tende santa piedade
deste pobre pecador.

Quebrai-me os ossos da vaidade
E eu morra logo pra mim
Antes que a noite desça.
Não ocorra que eu padeça
A morte na eternidade.
Dai-me a vida de verdade,
Vida que é o meu Senhor!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

De como livrou o Menino Jesus dois cristãos de serem enganados e de ser vilipendiada a santa Cruz

Esta é uma história
que aconteceu com dois exercitantes após saírem dos Exercícios Espirituais
de Santo Inácio havidos no Noviciado Santo Antônio Sant'Anna Galvão, 
lá pras bandas de São Paulo.




Para quem queira saber

Vai a história aqui contada

De como livrou o Menino Jesus

Dois cristãos de serem enganados

Não deixando que a sagrada cruz

Viesse a ser vilipendiada.



Com entusiasmo incontido

Saíram do noviciado

Dois intrépidos exercitantes

–  Oh lástima! –

Quase se sentindo salvados

Como se fossem dois protestantes...



Uma só sentença havia

Naquelas pobres cacholas:

Para não terem desperdícios,

Iriam até a Livraria Loyola

Comprar o livro dos exercícios.



Comprada a obra de Santo Iñigo

E cada um, outros livros,

Que livro não salva alma

Mas pode ajudar contra o inimigo,

Lembrou-se um dos peregrinos

Que há muito procurava

A imagem de Jesus Menino.



Queria um Cristinho a seu gosto

Cabelo escuro e olho castanho,

Mesmo sabendo que raro.

Só achou Jesusinho de olho azul

E com cabelinho claro.



– Se não O encontro como quero,

Levo assim mesmo o Menino.

Com tinta-esmalte e um pincel

Deste pequeno pimpolho

É fácil trocar-lhe o destino:

Deixo escuro o cabelinho

E ponho-lhe castanho o olho.



Decidida a compra da imagem

E sem mais teretetê,

Sacolas de livros nas mãos

E o Menino empacotado,

Acorreram pelo metrô

Ao Terminal Tietê,

Cada um preocupado

Com a hora de sua viagem.



E vai a história aqui contada

De como livrou o Menino Jesus

Dois cristãos de serem enganados

Não deixando que a sagrada cruz

Viesse a ser vilipendiada.



Mal-descidos do metrô,

Surge uma moça angustiada:

– Moços, ajuda pel-amor-de-Deus,

Minha mãezinha e eu

Estamos numa enrascada.



– Que houve, senhorita,

Que lhes foi que aconteceu?

Tudo queremos fazer

Se for pelo amor de Deus!!!



– Minha mãe foi sacar um dinheiro

Do cartão da aposentadoria

Para voltarmos pra casa,

– moramos no interior.

Mas, falhou o cartão dela,

– Oh desgraça, oh horror –

O que temos é quase nada

Uma miséria... bagatela...

E pra compra dos bilhetes

Falta muito do valor...

Estamos numa agonia...

Ô vida desesperada!!!



Co's corações mui tocados,

Já um dos viajeiros

Levou sua mão à bolsa

Onde estava o dinheiro,

Para dar-lhe um bom trocado.

Mas, eis o fato inédito,

Por entre uma papelada

Só havia um cartão de crédito.



– Calma, moça. Tudo tem jeito...

Deus é grande e nosso amigo.

Mas onde está tua mãe,

Que não estou vendo contigo?

E o que vieram fazer

Vocês duas nesta cidade? 
(...)

– Ah, ela está com as malas?

Pois traga aqui sua mãe

Que para comprar as passagens

Precisa da identidade.



– Moço, você vai pagar os bilhetes?

Oh, que grande caridade!

Mas acho que sua boa vontade

Não vai ser a solução...

Eu preciso de dinheiro...

A empresa não aceita cartão...



– Moça, Deus sempre tem uma saída,

Reze u’a Ave-Maria e fique descontraída.

Nós vamos comer alguma coisa

Que hoje nem almoçamos,

E logo temos viagem..

Então vá buscar sua mãe,

Que logo ali lhes esperamos,

E um modo encontraremos

Para comprar as passagens...



Enquanto a moça corria

A buscar sua pobre genitora

Foram os dois àquel'hora

Matar a fome qu'os consumia.



Enquanto comiam alegravam-se

Pela bela oportunidade

Que o Menino Jesus

 que nem bentinho estava 

De fazer aquela caridade

Assim lhes proporcionava.



Ou será, achavam,

– Oh, já maldita vaidade –

Que por aqueles cantos,

Já exalavam os dois

Algum fulgor dos santos?

Ou olor de santidade?



E vai a história aqui contada

De como livrou o Menino Jesus

Dois cristãos de serem enganados

Não deixando que a sagrada cruz

Viesse a ser vilipendiada.



Quase uma hora de espera

Mãe e filha não vieram

E o anseio de caridade

Esfumou-se em quimera...



Então foram ver – por mera curiosidade, 
– Mas nem demandou inquérito...

Nos guichês da empresa de viagem

Estava o aviso em certeira publicidade:

Aceitam-se cartões de crédito

Na compra de bilhete de passagem!!!



Oh, aquela estranha oportunidade

De tão fácil caridade,

Nada era do Deus-Menino.

Ardil, mentira, embuste,

Golpe tão vil, ignoto,

Estava agora cristalino:

Pura obra do canhoto.



***

Que terá visto naqueles dois

Aquela golpista com cara de desatino,

Naquele terminal rodoviário?

Viu dois forasteiros desatentos

Prontos a serem apanhados de jeito...

Um deles com uma cruz de São Bento

De 20 centímetros pendurada ao peito...

Logo, dois católicos com cara de otário!



Mas o Menino Jesus

Que nem bentinho ainda estava

Já fazia seu milagrito,

Pois Jesus Menino

Nem precisaria ser bento:

Desde toda a eternidade

O Menino Deus é bendito.



E livrou dois cristãos de serem enganados

Não deixando que a sagrada cruz

Viesse a ser vilipendiada.



E de fato assim ocorreu,

E pode ser comprovado.



Pois na hora em que embarcava

Para o destino a que ia

Aquele retirante que antes

O dinheiro não achara,

Temendo que houvesse perdido

Pra si não desprezível quantia,

Tornou a examinar a bolsa

E o dinheiro lá estava.



E a história aqui contada,

De como livrou o Menino Jesus

Dois cristãos de serem enganados

Não deixando que a sagrada cruz

Viesse a ser vilipendiada,

Merece especial apreço.



Pois ocultando da vista

De quem de boa-fé daria

O dinheiro almejado

Pela esperta golpista

Que mirou a cruz de Cristo

Para escolher o seu alvo,

O Menino Jesus

– Que nem bentinho ainda era –

Livrou que a cruz sagrada

Fosse para seus amados

Ocasião de tropeço.



***



Chegando em casa de retorno

E acabada a viagem

Abriu aquele cristão a embalagem

Onde ia o Jesus Menino.

E o Menino lhe sorriu

Com os olhinhos brilhantes...



– Ai, como pude pensar antes

Em escurecer-te os cabelos

E por-te os olhos castanhos?

Em fazer-te como eu queria

Modificando teu rosto?



Louca e geneticista ideia,

Descabelada, atrevida!!!



E Tu já me fazias prodígios

Por meio da Tua imagem,

Que nem bentinha ainda era,

Como a me mandar u’a mensagem,

E lição de mui bom tamanho

Em meu coração hás posto:

Que não há Cristo sob medida,

Nem Cristo à medida do gosto.


***


Esta a história

De como o Menino Jesus livrou

Um cristão do engano,
De tão imenso defeito
Que é querer Jesus Cristo
cada um ao seu próprio jeito.


Variação para Lenta e calma

Lenta e calma sobre a terra
Desce a noite e foge a luz.
Quero agora despedir-me,(*) 
Quero agora Vos saudar:
Boa noite, meu Jesus!
Quero agora convidar-Vos:
Ficai comigo, meu Jesus!

Ó, Senhor, dai-nos a benção;
E do mal que nos seduz
Aos meus pais e a mim guardai: 
Boa noite, meu Jesus!
Aos meus pais e a mim guardai:
Ficai conosco, meu Jesus!

A vossos pés, ó Virgem pura, 
peço a benção maternal.
Boa noite, Mãe querida! 
Boa noite, meu Jesus!
Ficai comigo, Mãe querida!
Ficai comigo, meu Jesus!

(*) Que despedir-me, que nada!!!